Apontamento 4 : O EXERCÍCIO
Em outros trabalhos procurei enfatizar muito a necessidade do cultivo de uma forte auto-disciplina para que se possa atingir qualquer objetivo, mas especialmente quanto às questões envolvendo o desenvolvimento espiritual. Torno a fazê-lo aqui e deixo bastante claro que sem muita auto-disciplina será mera perda de tempo manter qualquer que seja a pretensão de ir longe nos caminhos da espiritualidade.
Na Ordem nos é ensinado um exercício a que chamamos de "Exercício da Persistência" , que vou explicar aqui para que você, se assim desejar, submeta-se a ele até onde lhe for possível, pois que a grande maioria das pessoas não vai até o fim. Na verdade esse Exercício abrange várias áreas ao mesmo tempo, tais como a força de vontade, a memorização, a visualização criativa, a constância e especialmente a persistência. Esclareço que ele deve ser praticado todos os dias por pelo menos uma hora e pelo período de 60 dias.
Quando ele é descrito pode parecer simples mas assim que começar a praticá-lo você descobrirá por que ele tem esse nome e por que eu escrevi que a grande maioria das pessoas não vai até o fim.
Ao longo desses 60 dias você deverá ser muito metódico, no sentido de usar pelo menos uma hora diária nessa prática.
Mentalmente você vai escolher um lugar mental onde construirá a sua casa. Pode ser nas montanhas, na praia, no deserto, enfim, onde você quiser. escolhido o local, você vai começar a construir a sua casa ideal. Vai imaginar com toda riqueza de detalhes cada passo, desde cavar para assentar os alicerces, serrar madeira, enfim, cada etapa como se estivesse mesmo construindo algo fisicamente. E de certa forma estará mesmo.
No primeiro dia vai escolher o local e vai cavar os quatro buracos para os alicerces. Não tenha pressa, você tem que se ver cavando mesmo, sentindo o suor escorrendo, o calor do sol, os cálculos mentais sobre a profundidade de cada buraco, em suma, todos os detalhes. Isso, se praticado corretamente, só para cavar os buracos vai levar mais de uma hora. Se imagine cavando mesmo, e de vez em quando até tendo de parar para remover pedras que surgem nos buracos, ouça a pá batendo nessas pedras. Faça intervalos para descansar, sinta até o cansaço da tarefa. Não se trata de apenas imaginar e sim visualizar e, como se diz na Ordem, "experienciar" a situação. Isso é algo bem difícil de fazer a contento, pois se você pular etapas ou se der "um jeitinho" o exercício não terá o menor valor e será apenas uma perda de tempo.
Reproduzo aqui trechos da instrução original, dos documentos da Ordem :
" Visa este Exercício, muito precioso, dar à mente os atributos de que ela comumente se mostra mais carente, a saber, força de vontade, capacidade criativa, senso de ordenação mental, raciocínio lógico e uma memória mais apurada. O praticante deve visualizar todas as situações e etapas como se estivesse fisicamente no local desempenhando as tarefas propostas, e a principal tarefa tem como objetivo a construção de uma morada. então, a mente do praticante deve ser direcionada para a execução dessa tarefa, onde se cria inclusive um estado de tensão mental quanto aos procedimentos a serem adotados, e em tudo esse Exercício deve ser revestido do máximo realismo pois que esse é o seu fundamento. Não deve haver nenhuma preocupação quanto ao número de dias para a conclusão deste Exercício, e se for necessário que leve mais de um ano, que assim seja e que não se constitua isso num obstáculo. A pressa deve ser excluída de sua execução. No primeiro momento o praticante deve visualizar o tipo de morada que pretende construir, e deve concebê-la com abundância de detalhes arquitetônicos. Esta parte pode levar algumas sessões mas é muito importante que o praticante tenha na mente a planta do que vai construir. A seguir é escolhido o local que melhor lhe aprouver, depois vem a preparação do terreno, procedimento que vai consumir diversas sessões, porque o praticante deve, ele mesmo, limpar esse terreno, sentindo cada detalhe do procedimento, tais como a fadiga, o calor e tudo o mais que envolve tal atividade. Na fase posterior vem a escavação para os pilares, então ele tem de, previamente, ter decidido se ali haverá 4, 6 ou 8 alicerces. Fazem-se os alicerces e então começa o primeiro piso, onde então já tenha decidido qual o material dessa morada, se madeira, pedras, tijolos etc. Todo o resto segue o mesmo padrão até que a morada esteja concluída, quando então vem a preparação interna, com a disposição dos móveis e todos os componentes do ambiente interno. Fica subentendido que quanto ao tempo total o minimum minimorum aceito é seis meses para que se considere que o Exercício tenha sido minimamente satisfatório, mas a recomendação é que chegue a um ano ou mais. Para isso considere-se que se fosse situação física e real, uma pessoa levaria mais de um ano para construir uma casa sozinha em todas as suas etapas e como o Exercício propõe um máximo de realismo não se concebe que o tempo seria menor. Se for muito menor significa que não houve suficiente realismo nessa visualização. "
Este Exercício tem a capacidade de aprimorar qualquer mente que tenha sido submetida a ele e tendo sido seguidas todas as instruções. À primeira vista ele parece simples mas exige um grau de envolvimento muito grande e um realismo tal que a pessoa chega a transpirar fisicamente e em dados momentos fica fatigada como se de fato tivesse passado o dia carregando pedras.Aqui cabe um comentário que me parece pertinente ao tema : normalmente quando se fala em exercícios espirituais é comum que a primeira coisa que venha à mente seja o livro Exercícios Espirituais, de Santo Inácio de Loyola, mas a questão é que não se trata disso. Primeiro, é preciso esclarecer que os Exercícios de Santo Inácio tem uma atuação muito mais mental do que espiritual, ou seja, visam a um adestramento mental e não propriamente uma ascese espiritual, em que pese o nome do livro.
Também deve ficar claro que os Exercícios Espirituais de Santo Inácio, que se destinam especificamente aos jesuítas, não foram feitos para o praticante e sim são destinados ao diretor Espiritual, ou seja, o mestre que vai aplicar esses Exercícios aos noviços dos jesuítas. O que estou tentando explicar é que a não ser que a pessoa já tenha sido submetida a essas práticas muitas vezes e possa ser considerada mestra nisso não há como uma pessoa sozinha executar esses Exercícios. Assim, esses trabalhos de Santo Inácio não são pertinentes a este capítulo.
No que se refere ao nosso contexto, exercícios espirituais são aqueles exercícios e práticas que visam criar, reforçar e expandir potencialidades e faculdades superiores do ser humano.
Agora vamos encarar a realidade : tudo o que o Homem obtiver em termos de evolução e progresso vai ser à custa de trabalho, empenho e dedicação, além de disciplina e persistência. Não há nenhuma fórmula mágica que vá promover desenvolvimento de qualquer tipo sem esforço. Não tem nenhuma pílula mágica que ao ser tomada vá gerar avanço espiritual na pessoa, portanto ponha de lado as suas ilusões de evolução sem trabalho árduo porque isso simplesmente não existe. E nem tampouco essa evolução se dá aos saltos, ou seja, não há possibilidade de começando hoje a se empenhar, amanhã já vá ver resultados aparecendo. Isso não é assim, e é por isso que tão poucas pessoas atingem o objetivo de obterem evolução e progresso se submetendo a exercícios espirituais. É o sentimento imediatista que não só desilude como frustra as pessoas, que começam achando que em pouquíssimos tempo serão sumidades espiritualizadas e desconhecem que esse é um processo que pode levar mais de uma vida para atingir seu auge.