E S C R I T O S  -  3    

                   

              Escritos  do  Mago   III

                          Aqui reproduzo o trecho do meu diário de viagem onde relato minhas impressões sobre o que vi : pessoas buscando o outro lado do Poder no Caminho. Há Magia Negra no Caminho de Santiago.

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                          Vi uma coisa estranha, impressionante. Saí de Santo Domingo de La Calzada e  o planejamento era chegar a Belorado. Em passo de estrada se chega lá sem maiores dificuldades, já que a distancia é de de cerca de 24 quilômetros.
                          Passei por um lugar chamado Grañon, e, segundo o mapa, ali terminava a região de La Rioja, a maior produtora de vinhos da Espanha.  Entrei na província de Burgos, essa sim cheia de histórias pra contar. Já dentro de Burgos, passei por uns lugares exóticos, como Redecilla del Camino, Castildelgado e depois Viloria. 
                         Quando passei por um lugar chamado Villamayor del Rio, faltando alguns quilômetros para Belorado, vi uma peregrina que ia mais a frente. De repente ela começou a caminhar de trás pra frente, até dando a impressão que vinha na minha direção.  E continuou andando ao contrário durante uns minutos, depois voltou ao normal.  Ela fez isso mais umas tres ou quatro vezes, e eu achei aquilo muito interessante.
                        À noite, no refúgio (um refúgio muito ruim, mas estava quase cheio), eu conversei com outros peregrinos e não vi aquela mulher entre eles.  Então mencionei o caso e então as pessos pararam de falar. Pensei ter dito alguma ofensa, e então um peregrino disse :
- La hechicera ?  La bruja está fuera, cerca de la arbol.
("A feiticeira ? A bruxa está lá fora, perto da arvore.")

                       Fiquei surpreso ao saber que várias pessoas sabiam quem era aquela mulher. E de fato ela estava lá fora. Haviam vários lugares vagos no refúgio mas ela preferiu ficar lá fora, em seu saco de dormir.  Mas ela estava sentada, em posição de lótus, entoando um mantra estranho, que eu não conhecia. Devo confessar que olha-la não causava boa sensação, havia algo de pesado na aura dela, algo que oprimia, embora fosse uma mulher bonita e jovem.
                      Aí esse passou o tema da conversa daquele grupo onde eu estava. E me foi dito que há pessoas que vem percorrer o Caminho por imposição de Ordens de Feitiçaria Negra ou Satanistas pervertidos, ou membros de alguma seita de adoradores do Demônio. Eles vem em busca do Poder que o Caminho pode conferir a quem o percorra por razões mágicas e espirituais. E também me disseram que  há duas maneiras para essas pessoas percorrem o Caminho :   ou andam longos trechos  de trás para diante, como aquela mulher fez, ou então iniciam a caminhada em Santiago de Compostela e vão para Saint Jean Pied Port.   Aí eu lembrei que quando eu estava ainda em Puenta La Reina, na manhã em que segui viagem rumo a Estella, no meio do caminho passou por mim um peregrino em sentido contrário. Achei que ele estava indo encontrar alguém que ficou pra atrás. O estranho é que antes de chegar em Nájera vieram outros dois, que passaram por mim e até me cumprimentaram, era um casal.  Naquela ocasião eu ainda não sabia que os chamados Irmãos da Mão Esquerda da Magia também iam ao Caminho de Santiago.
                      Esclareço que nem toda bruxa lida com o Mal, mas no Caminho de Santiago se ela está seguindo em sentido contrário esse é o seu voto de compromisso com as forças do Mal. Mas isto de Bem e Mal é algo que nem sempre é bem esclarecido :  Bem e Mal são os braços direito e esquerdo de um mesmo corpo. Na verdade o Mal está na intenção do praticante, mas por uma questão de praticidade falamos em Bem e Mal como forças distintas, quando na Verdade é Magia, e a Magia é uma só.
                      E assim, depois daquele refúgio, em alguns outros esse tema foi trazido para as conversas e sempre tinha alguém que ou tinha visto peregrinos seguindo em sentido contrário ou   sabiam  que essas pessoas também frequentavam o Caminho.  Uma característica que chamava a atenção é que essas pessoas que seguiam em sentido inverso é que evitavam  contatos desnecessários com outros peregrinos.  Era algo assim:  não nos evitavam, se precisavam falar conosco, falavam ; se precisavam nos pedir algo, alguma informação, pediam ; se passavam por nós nos cumprimentavam, mas nos refúgios sempre ficavam do lado de fora e saiam bem cedo, antes de todo mundo.  E pareciam seguir uma espécie de cronograma, com dia e hora certa para estar em tal lugar. Notei isso, principalmente quando percebi que nada os detinha, eles pegavam a estrada com qualquer que fosse o tempo. Aquela  "bruja" , por exemplo :  na manhã seguinte estava chovendo muito, ninguem saiu do refúgio até a chuvarada passar, mas a bruxa saiu assim mesmo. O responsável pelo refúgio disse que durante a madrugada, quando começou a chuva, ele foi novamente perguntar se ela queria entrar, e ela apenas aceitou ficar na varanda. Pela manhã, antes de todo mundo ela pegou a estrada debaixo de uma chuva torrencial, como se tivesse hora certa para estar em algum outro ponto. E nos disse também que não era a primeira vez que passavam pessoas assim, que só entravam no refúgio  raramente, e mesmo assim apenas para usar o banheiro ou o fogão, e depois voltam para a parte de fora.
Há Magia Negra no Caminho de Santiago.

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