Havia uma serpente cuja cabeça e o rabo não se entendiam e viviam brigando entre si. O rabo dizia:
     - Sempre vais na frente, enquanto eu sigo atrás. Eu quero passar a ir na frente, não és melhor que eu para ficar sempre aí enquanto fico aqui.
E a cabeça disse:
- Mas não é natural o rabo ir na frente, não podes querer tal coisa !
Então, em protesto, o rabo enrolou-se em uma pequena árvore e não deixava a cabeça ir a nenhum lugar. A cabeça viu pequenos animais passando, quis comê-los, mas o rabo não deixava a cabeça ir.  Aí a cabeça concordou e deixou que o rabo passasse a ir na frente. Mas, como ele não tinha olhos, caiu em um buraco e a cabeça morreu na queda.
 

 
            Essa pequena estória é uma alegoria a algo que não é incomum acontecer  na Magia, aquilo que chamo de um cego conduzindo outro cego.
            Há o Mestre e há o Discípulo. A missão do Mestre é preparar seu Discípulo para que um dia ele seja um Mestre e então preparará seus próprios discípulos, e assim sucessivamente.    Mas às vezes acontece que um discípulo esquece a mais importante lição do magista que é a lição da
Humildade, e num arroubo de prepotência o discípulo se acha pronto. Ao ouvir seu Mestre dizer que ainda lhe faltam coisas a aprender esse discípulo se sente ofendido em seu orgulho pessoal e simplesmente abandona os estudos. E como já se considera um Mestre sua primeira atividade será alimentar sua auto-estima, e nesse caso buscará discípulos, porque sua auto-afirmação exige que ele, como “mestre”, tenha que ter aprendizes.
           Como não estava pronto ele não terá ainda critérios muito bem estabelecidos na admissão de discípulos e será comum que aceite praticamente qualquer um. E esse “discípulo” também andava desesperado em busca de um “mestre” e não se deu conta que foi admitido praticamente sem critério algum. Pronto: está feito o estrago, e isso é o que chamei de um cego querer conduzir a outro cego.
           Dessa associação resultará uma Magia distorcida e incompleta, e muitas vezes terá que ser improvisada e até inventada porque esse “mestre” terá que inventar rituais e coisas que ele não chegou a aprender. E terá que dar respostas a esse (ou esses) discípulo(s) e às vezes terá que dizer coisas que não sabe serem verdade ou não. E sua única vantagem será que um discípulo assim não irá questioná-lo como deveria.
           Para resumirmos, a relação deles é simples:
um finge que ensina enquanto o outro finge que aprende. Mas o problema é que esse discípulo se considera um Mestre e muitas vezes ele realmente acredita nisto. É que muitas vezes um discípulo assim tem consciência da sua situação mas em outras tantas esse tipo de ex-discípulo realmente acredita que seja um mestre pois ele fez uma constante auto-sugestão.
           Por exemplo:  se você pergunta a um interno de um hospício “Quem é você ?” e ele lhe diz “eu sou Napoleão Bonaparte”,  esse homem passa em qualquer detector de mentiras, porque ele não está mentindo.  Ele não é Napoleão, mas não está mentindo, porque ele realmente se reconhece como Napoleão.  O mesmo acontece com esse tipo de ex-discípulo: ele se condicionou à condição de Mestre. Ele não é, mas acredita ser.
           É preciso que se saiba que um Mestre verdadeiro só vai aceitar um discípulo depois que esse candidato foi muito bem observado por muito tempo, mesmo que isso leve anos. O Mestre sabe que esse discípulo será preparado para ser o continuador do Mestre e herdar os Conhecimentos da Tradição a que pertencem, e por isso os critérios necessariamente tem de ser rígidos.
          Mas muitas pessoas que defendem ferrenhamente a auto-iniciação costumam se justificar dizendo que em séculos recuados os primeiros Magos devem ter se auto-iniciado.  E isto pode estar correto.  Mas então precisamos explicar a essas pessoas que naquelas épocas o Mago era necessariamente um eremita e sua vida passava a ser em função da Magia, única e exclusivamente. Aquele era verdadeiramente um sacerdócio.  Não é como hoje, em que para esses “falsos buscadores” a Magia é só um passatempo – ou pior – uma forma de enriquecer.
          Os embusteiros sabem que JAMAIS um Mestre iria iniciá-los, porque são pessoas más, vazias, despreparadas e muitas vezes desequilibradas. Então se auto-nomeiam Mago, Bruxa ou coisa assim e passam a satisfazer seu Ego, seja desejando impressionar os outros, seja vendendo coisas ridículas como eles próprios são ridículos.  Usam o título de Mago ou de Bruxa para “legitimizar” a venda de livros, cd’s, bugigangas “esotéricas” e seus famigerados “cursinhos” .   E foi por isso que  passaram tanto a defender a auto-iniciação:  é a única  “iniciação”  que eles tem. E mencionei apenas Magos e Bruxas porque como já foi explicado, aquele que diz que é “Bruxo” já está errado pelo princípio, e um simplório que diz tal coisa nem auto-iniciado é, porque senão saberia que na Bruxaria não há o Bruxo, há o Feiticeiro, posto que o título de Bruxa é reservado exclusivamente às mulheres, sacerdotisas da Deusa. Na Bruxaria, que é essencialmente feminina,  o homem tem papel meramente coadjuvante, mas vários simplórios que nem se deram ao trabalho de pesquisar insistem em se auto-afirmar como sendo Bruxos.
           Voltando aos maus discípulos, por causa de seu orgulho eles passarão a ser uma fonte de desgraças, físicas e espirituais para quem se aproxime deles, porque eles estão incompletos, e vão tentar se completar com o improviso e com a adaptação, e logo vão descobrir que existem ritos e procedimentos que não podem ser alterados.
            Existe a chamada corrente espiritual contra a qual não se pode ir.  É por esta razão que uma das primeiras lições que o discípulo aprenderá é o Código de Ética, para que esteja ciente do que pode e não pode fazer, completando ou não seu discipulado.
           Que tipo de magista pretende ser  um homem que abandonou os estudos junto a seu Mestre ?   Que tipo de “mestre” pretende ser esse homem que não respeitou seu Mestre nem sua Tradição ?   O que um homem  assim pode acrescentar aos que se  aproximam  dele ?
           Aquele que deseja comandar, que primeiro aprenda a obedecer. Que comece seu caminho pela Humildade, que cumpra os ritos, todos eles e não apenas os de seu agrado, e que seja paciente.  Jamais será o discípulo que julgará se está pronto ou não.  A tragédia virá quando o rabo da serpente se julgar apto a substituir a cabeça. É quando o discípulo desejar ser Mestre sem ter cumprido seu discipulado.
           Há um tempo para semear, e um tempo para colher.  E há Sabedoria naquele que sabe discernir um tempo do outro e não tenta modificá-los.
 
            Um grande abraço.
            Vida  e  Vitória.
                                                                               Mago  Daniel
                                                                                Anno  IX  in  Solis  Traditio
 
        Escrito no Templo do Mago às 00:30 Hs. do dia 07 de Dezembro de 1999  a.D.
 

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