Canto
I
Ardia o desejo de compor coisas belas
mas era só desejo, não mais que intenção,
porque para compor coisas singelas
daquelas que tocam o coração
de todas as faltas uma era a mais certa :
não sou poeta,
me falta a inspiração !
Uma noite ouvindo a flauta de Pan adormeci
e nos braços de Morpheu fiz leito.
Ah, ouve mas depois não digas que menti,
pois te conto por exato o que vivi,
a verdade aconteceu desse preciso jeito.
Em meio a etéreas brumas surgiu Pégasus, divino portento
convidando-me a montar em seu dorso alado...
montado em Pégasus galopo o vento
que agora comigo voa, com a rapidez de um pensamento,
e de pronto estamos onde ele queria me ter levado.
Canto II
Estamos no alto de um majestoso monte
que por certo há de ser divinamente guardado
e nele há uma formosa fonte
em cujas belezas não acreditarias, por mais que te conte,
porque descrever com palavras humanas é esforço desperdiçado.
Eis que surge Calíope trazendo uma taça de prata
olhando-me de uma maneira tão casta quanto pura...
nenhuma reprovação, nenhum tipo de censura,
apenas olhava-me com sua doçura inata !
E disse :
“Estás no Monte Hélicon,
cavaleiro do vento,
e Hipocrene é o nome desta fonte a teus pés descoberta,
aqui vieste porque foi bem puro o teu pensamento,
e te chamei apenas porque quiseste ser poeta!”
Então notei que as águas da fonte brilhavam
tal qual se fossem de luz totalmente formadas,
tão claras, tão lindamente iluminadas
que mais parecia que vivas estavam.
Canto III
Notando meu espanto a Divina Musa veio me dizer :
”Essas águas são a fonte da poesia, manancial de todo artista,
e delas os poetas devem beber
O que não bebeu da Fonte Hipocrene, não insista :
pode escrever versos tolos, mas poeta não haverá de ser.
E vês a luz que emana dessas águas que saem do solo ?
Digo-te : essa luz desce da coroa do próprio Apolo ! “
”Mergulhai este cálice na fonte e bebei,
que logo te virá a Inspiração :
bebe, porém, com moderação,
senão Hipocrene se converterá no Aqueronte, bem sei. “
De pronto peguei a sagrada taça e obedeci :
mergulhei-a na fonte,
bebi.
Calíope disse :
”Saibas que um engano teu pensamento cometia,
pois jamais te faltou à alma a poesia.
Vede a verdade:
não compuseste ‘Realidade’ ?
Em ‘Lágrimas’, viste ‘Hoje’
a ‘Dança das Horas’, em
seu esplendor,
por isso voltai a escrever, e vivei teu
‘Etéreo Amor’.
Porque ‘Houve uma Voz Uma Vez’
que me disse que compuseste esses versos de boa solidez.
E te digo que escrevestes a cada estrofe linda,
e, no entanto, não havias bebido da Fonte Hipocrene ainda. “
E completou :
”Agora Pégasus te levará de volta ao lar,
vai com ele, ginete do vento, e no corcel alado monta,
pois vede que Cronos a Eterna Ampulheta aponta
e no Hélicon já não podes mais ficar.
Vês como o Bóreas sopra do Norte, furioso ?
E não te iludas com o tempo aqui mostrado :
ficaste apenas
minutos nesse lugar misterioso,
mas em teu mundo muitas horas hão de ter passado.
Regressa com Pégasus pois é
chegada a hora,
Bóreas sopra mais forte, te pedindo que vás embora.
Leva porém, aquilo que pode te ajudar :
que a música das
liras de Orfeu, Lino e Anfíon possam te fazer sonhar,
mas leva também a espada de Marte para teus versos prevenir
pois teus poemas nem sempre falarão de amor, isso tens de observar,
muita vez teus escritos haverão de alheios sentimentos ferir.
Deixai que eu, Calíope, Polínia e
Euterpe te visitemos
mas nunca deixeis que as Fúrias te ditem os poemas,
porque mesmo disfarçadas de métricas e rimas, nada mais são que problemas,
então deixai que nós, as Musas,
te inspiraremos.
Escrevei apenas quando estiveres de fato inspirado,
mas cuidado :
jamais tomai a pena se estiveres irado !
A pena sempre foi mais forte que a espada
portanto nunca façais uso da letra mal-intencionada.
Vai embora agora, do Hélicon irás de volta ao lar,
no céu noturno o Carro de Selene a Pégasus vai guiar.”
Canto IV
Eis que de volta ao lar me faço presente,
Pégasus trouxe-me ao ponto de partida.
Inclina a cabeça em reverente respeito e despedida,
e entre esvoaçantes brumas desaparece, regressa ao Monte Hélicon
novamente.
Eis toda a verdade,
verdadeiro é tudo que te relatei
mas tendes o direito de não crer no que contei a ti.
Sim, galopei o Pégasus, visitei as Musas e com Calíope conversei,
fui trazido de volta, no alado dorso voei,
o mundo me tem de volta, acordei.
Podes dizer que não acreditas nas coisas que descrevi,
mas, em nome dos deuses, não podes afirmar
que menti !
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